terça-feira, 3 de março de 2009

A arte de ser feliz

Houve um tempo em que a minha janela se abria sobre uma cidade que parecia feita de giz. Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco. Era uma época de estiagem, de terra esfarelada, e o jardim parecia morto. Mas todas as manhãs vinha um homem pobre com um balde e, em silêncio, ia atirando com a mão umas gotas de água sobre as plantas. Não era uma regra: era uma espécie de aspersão ritual, mas para o que o jardim não morresse. E um olhava para as plantas, para o homem, para as gotas de água que caiam de seus dedos magros, e meu coração ficava completamente feliz.
As vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor. Outras vezes encontro nuvens espessas. Avisto crianças que vão para a escola. Pardais que pulam pelo muro. Gatos que abrem e fecham os olhos, sonhando com pardais. Borboletas brancas, duas a duas, como refletidas no espelho do ar. Maribondos: que sempre me parecem personagem de Lope da Veiga. As vezes um galo canta. As vezes um avião passa. Tudo está certo, no seu lugar. Cumprindo o seu destino. E eu me sinto completamente feliz.
Mas quando falo dessas pequenas felicidades certas, que estão diante de cada janela, uns dizem que estas coisas não existem, outros que só existem diante das minhas janelas, e outros finalmente, que é preciso aprender a olhar, para poder vê-las assim.
Cecília Meireles.